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INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM FACE DE SÓCIO OCULTO

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10 de October de 2023

Análise do Acórdão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 2.055.325

Escrito por Fernando Rodrigues Vasconcelos

O ordenamento jurídico brasileiro confere às pessoas o direito de associação das mais diversas formas, sendo possível afirmar que a constituição de sociedades de responsabilidade limitada é a mais popular dentre elas, justamente pela limitação da responsabilidade dos sócios ao capital social integralizado na sociedade, como forma de proteção ao patrimônio pessoal desses sócios.

Parte dessas pessoas, então, passou a utilizar indevidamente desse instrumento de proteção ao patrimônio dos sócios como uma ferramenta para fraudar credores da sociedade, por meio de uma infinidade de mecanismos que visam a confusão entre o patrimônio da sociedade e de seus sócios, dificultando a tomada de medidas expropriatórias por parte desses credores.

Em razão dessa reiterada conduta, a doutrina jurídica passou a desenvolver a teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, que visava desconstituir a proteção conferida pela lei, quando utilizada com intuito fraudulento.

Com a edição da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), essa teoria foi finalmente positivada no ordenamento jurídico brasileiro, prevendo expressamente que a personalidade jurídica das sociedades poderia ser desconsiderada em casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social e, ainda, em hipótese de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da sociedade provocados por má administração.

Com o advento da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), a teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica foi novamente prestigiada e estendida além dos limites da relação consumerista, restando positivada em seu art. 50 – alterado conforme o tempo – que hoje consta com a seguinte redação:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Desse modo, a desconsideração da personalidade jurídica visa afastar a limitação de responsabilidade dos sócios e, até mesmo dos administradores, de modo que essas partes sejam pessoalmente responsabilizadas pelas obrigações da sociedade, em situações nas quais seja possível comprovar o desvio de finalidade e/ou a confusão patrimonial.

A mais recente alteração com relação ao instituto foi de ordem processual, com a edição da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), criando a previsão de um incidente processual específico para decidir acerca da desconsideração da personalidade jurídica.

Desse modo, diante de uma sociedade em estado de insolvência, desde que seja possível comprovar esse desvio de finalidade e confusão patrimonial, os credores podem se valer desse incidente para pleitear a desconsideração da personalidade jurídica dessa sociedade e buscar a satisfação de seus créditos perante o patrimônio pessoal dos sócios dessa sociedade, ainda que o tipo societário adotado lhes confira a limitação de responsabilidade.

Recentemente, o acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no julgamento do recurso especial nº 2.055.325, objeto de análise desse artigo, vai além da mera desconsideração da personalidade jurídica, mas de um desdobramento dessa ferramenta para desconsiderar a personalidade jurídica com relação a um sócio oculto que, no caso sob análise do STJ, estaria exercendo a atividade empresarial em nome de outra pessoa que atuava como empresária individual.

Diante das particularidades do caso, entende-se que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não seria a ferramenta adequada para atender à pretensão da credora, pois a devedora exercia a atividade empresarial sob a forma de empresária individual e, portanto, sequer existe personalidade jurídica a ser desconsiderada. Embora os empresários individuais possuam CNPJ, trata-se de uma medida meramente para fins fiscais, sendo a atividade empresarial exercida pelo empresário em nome próprio, de modo que não existe distinção entre o patrimônio pessoal e o patrimônio destinado à atividade empresarial e, portanto, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se mostraria aplicável.

Como bem decidido pela 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no caso concreto, a credora deveria buscar a declaração de existência de sociedade de fato entre a empresária individual e o terceiro contra o qual o incidente de desconsideração foi proposto, sob a alegação de que ele também exercia as atividades empresariais na condição de sócio.

Ademais, nesse caso, uma vez declarada a existência dessa sociedade de fato, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica seria novamente dispensável, considerando o teor do art. 990 do Código Civil, que prevê expressamente a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios em uma sociedade de fato. Como se vê, o caminho adequado seria o reconhecimento de uma sociedade de fato, de modo que o sócio oculto fosse automática e ilimitadamente responsabilizado pelos passivos sociais, sem necessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

O grande problema da decisão do STJ é permitir que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica seja “aproveitado” (efetivamente há fungibilidade entre as formas, nas palavras do próprio revisor, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva) para estender a sua utilização à finalidade de atingir um sócio oculto – ainda que a referida relação societária jamais tenha sido reconhecida judicialmente.

Esse tipo de interpretação excessivamente extensiva pode gerar precedentes perigosos, tendo em vista a possibilidade de aplicação para casos envolvendo sociedades em conta de participação – que também são sociedades despersonalizadas em que a atividade empresarial é exclusivamente exercida em nome de uma sócia ostensiva – ainda que não existam quaisquer elementos para caracterização de fraude contra credores, colocando em cheque a segurança pretendida pelos sócios participantes nesse tipo de operação.

Diante disso, a aplicação desse precedente a outros casos deve ser feita com extremo cuidado, sob pena de gerar novos precedentes que deixem de avaliar a situação adequadamente do ponto de vista legal e, consequentemente, venha a gerar uma enorme insegurança jurídica na adoção de modelos como as sociedades em conta de participação, utilizados de forma idônea e com frequência no meio empresarial.

A Equipe de Consultoria Societária do PLC Advogados coloca-se à disposição para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários relativos ao tema tratado neste informativo.

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