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DA IMPLANTAÇÃO DE CRECHES PELOS SHOPPINGS CENTERS PARA EMPREGADAS LACTANTES DOS LOJISTAS

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7 de janeiro de 2021

Escrito por Tiago Valadares Andrade

 

  1. INTRODUÇÃO

         Na sessão da “Proteção à Maternidade”, em seu artigo 396, a CLT diz que “para amamentar seu filho, inclusive se advindo de adoção, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais de meia hora cada um”.

        Na sequência, o artigo 400 da mesma CLT diz que “os locais destinados à guarda dos filhos das operárias durante o período da amamentação deverão possuir, no mínimo, um berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária”.

         Com base nos referidos arestos legais, o Ministério Público do Trabalho ajuizou ao menos 42 (quarenta e duas) Ações Civis Públicas por todo o Brasil, em desfavor de empreendimentos do tipo Shoppings Centers, pretendendo que esses estabelecimentos disponibilizassem locais apropriados para que todas as mulheres empregadas celetistas que laborem em suas dependências, incluindo aquelas contratadas por lojistas e terceirizados, possam deixar sob vigilância e assistência seus filhos no período da amamentação de 6 (seis) meses.

        Chama a atenção nos pedidos das citadas ações públicas a tese de que os empreendimentos do tipo Shoppings Centers possam ser responsáveis, ainda que indiretamente, por obrigações de empregados de terceiros, em especial, lojistas e terceirizados, o que abordaremos de forma específica no presente artigo.

  1. DA AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DOS SHOPPINGS CENTERS PERANTE AS OBRIGAÇÕES CELETISTAS DE EMPREGADAS LACTANTES DE TERCEIROS

         O principal argumento do Ministério Público do Trabalho nas referidas Ações Civis Públicas, especificamente quanto a legitimidade dos Shoppings em tais obrigações (implantação de creches, inclusive para empregadas lactantes de lojistas), seria o do pretenso controle do espaço físico do “estabelecimento”, inclusive com a definição de formas de trabalho, além de suposto proveito econômico das trabalhadoras celetistas dos lojistas.

Conforme sintetizado pelo Ministro Breno Medeiros, do Tribunal Superior do Trabalho, na análise das demandas públicas em questão,  impõe-se “perquirir, assim, se o condomínio de shopping está contido na acepção da palavra “estabelecimento”, a fim de que se possa excluí-lo ou não da condição de destinatário da norma. A matéria é bastante controvertida, ainda sobre ela se debatendo a jurisprudência, oscilando ora pela aplicabilidade, ora pela inaplicabilidade. A discussão muito mais se recrudesce, na medida em que, concomitantemente à discussão quanto ao dever do réu em relação às empregadas do shopping, há, ainda, a obrigação que abrange o contingenciamento das trabalhadoras empregadas dos lojistas, daí a necessidade de interpretação acurada da norma”. (Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº. 0010804-41.2016.5.03.0007. Publicado em 22.05.2020).

          De fato, a tendência da jurisprudência trabalhista era pela procedência dos pedidos do Ministério Público do Trabalho, no sentido que seria devido pelos Shoppings Centers a implantação de espaços físicos, ditas “creches”, para guarda dos filhos das empregadas lactantes, incluíndo celetistas dos terceirizados e lojistas.

          Ocorre que, em maio de 2020, o Relator Designado, Ministro Breno Medeiros, deu provimento ao Recurso de Revista nº. 0010804-41.2016.5.03.0007), pois, para o Ministro da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), as decisões anteriores do processo vão contra o Artigo 5º, II, da Constituição Federal, vez que os Shoppings Centers mantém com os seus lojistas uma relação puramente comercial.

         Diz o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho:

Ora, o dispositivo é expresso ao atribuir aos “estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade” (destaquei), não havendo como conferir interpretação extensiva a fim de impor aos condomínios de shoppings centers obrigação não prevista em lei, mormente porque estes mantêm com os lojistas uma relação meramente comercial, sob pena de ofensa ao art. 5º, II, da Constituição Federal. Nesse sentido é o precedente proveniente da 8ª Turma desta Corte, já referido quando do reconhecimento da transcendência jurídica da questão. Dessa forma, o e. TRT, ao manter a r. sentença que impôs ao recorrente o cumprimento da obrigação contida no art. 389, §§ 1º e 2º, da CLT, incorreu em ofensa ao referidos dispositivo de lei, razão pela qual, com fulcro no art. 118, X, do RITST, conheço do recurso e, no mérito, dou-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. (Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº. 0010804-41.2016.5.03.0007. Publicado em 22.05.2020).

         A referida decisão consubstancia um alento para o setor econômico dos Shoppings Centers, estabelecendo um novo entendimento sobre a matéria no Tribunal Superior do Trabalho, ante a notória divergência de decisões, até então, em sua maioria, pela procedência das ações do gênero.

        Em nosso entender, concluir de modo diverso relatado pelo Ministro Breno Medeiros é o mesmo que concluir que clientes possam ser demandados judicialmente por eventual descumprimento das normas trabalhistas pelos fornecedores ou os proprietários de imóveis por eventual descumprimento de seus inquilinos, sendo inquestionável que esses apenas se relacionam comercialmente com aquele que a norma atribui o dever de observar os direitos e garantias concedidas aos trabalhadores, ou seja, o empregador.

         O argumento utilizado pelo Ministério Público do Trabalho abre precedente para que todo condomínio comercial possa a vir ser responsabilizado pelo cumprimento das obrigações trabalhistas de todos os empregados que nele laborem, o que inquestionavelmente causa enorme insegurança jurídica.

          De certo é que, não há em nosso ordenamento jurídico qualquer norma que atribua a terceiros estranhos à relação de emprego, como é o caso dos Shoppings Centers perante as empregadas dos lojistas, o cumprimento de obrigações trabalhistas de responsabilidade do empregador de forma direta e solidária, o que reafirma não apenas a ausência da obrigação material, como a ilegitimidade processual.

          Nesse sentido, dispõe Luiz Guilherme Marinoni, diz que:

A legitimidade para agir pergunta sobre a relação de identificação entre o autor e o réu com o direito material em litígio. É legitimado ativo o titular do direito material e legitimado passivo aquele que, no plano do direito material, contra esse direito pode se opor (in Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 177).

          De igual forma, elucida a doutrina pátria:

Assim como não há sombra sem corpo físico, também não há responsabilidade sem a correspondente obrigação. Sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos que identificar aquele a quem a lei imputou a obrigação, porque ninguém poderá ser responsabilizado por nada sem ter violado dever jurídico preexistente. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.26).

Ora, o contrato de aluguel de unidades no shopping center é um contrato atípico, pelo qual os lojistas despendem um quantum mensal em favor do espaço comercial locado, sem que tal situação acarrete a existência de grupo econômico e/ou de empregador único, tampouco atribuir ao locador qualquer responsabilidade pelo cumprimento de obrigações trabalhistas que a lei destina ao empregador locatário.

Logo, conforme bem salientado pela decisão supra do Ministro Breno Medeiros, a imposição de obrigações não previstas legalmente, ofendem o princípio constitucional da legalidade, eis que a relação entre o lojista e o Shopping Center não conduz a nenhuma obrigatoriedade e assunção de responsabilidades por relações de emprego de terceiros/lojistas.

A relação mantida entre o Shopping e o lojista é, em sua essência, de natureza locatícia, estabelecida através de um contrato de locação, regendo-se pelas disposições da Lei nº 8.245/1991, sendo, portanto, de natureza civil, e não trabalhista.

A referida legislação prevê que “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos” (art. 54), e que “as despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento” (art. 54, § 2º).

O Shopping Center, como mero locador de espaços comerciais, não deve cumprir obrigações trabalhistas dos seus lojistas, o que além de ilegal, inviabiliza o próprio negócio e poderia abrir uma esfera de discussão sobre a responsabilidade trabalhista de todo e qualquer condomínio sobre os empregados dos condôminos e/ou lojistas.

Além disso, cada lojista dos Shoppings Centers (i) mantém a sua própria autonomia financeira e administrativa, planeja seus investimentos, suas expansões; e (ii) contrata seus próprios empregados, fornece treinamento, estabelece salários, aplica sanções, demite, enfim, estabelece e pratica políticas de recursos humanos que lhe são próprias, sem nenhuma interferência ou vinculação de uma loja com a outra, não se envolvendo o Shopping em nenhum desses assuntos.

 

O fato de um Shopping Center proporcionar ao comerciante lojista uma estrutura organizacional inteligente e eficaz para a exploração da sua atividade econômica não altera a natureza jurídica dessa relação, que está embasada em um contrato de locação, pois a locação se constitui no principal elemento desse contrato, embora revestido de cláusulas especiais com vistas ao atendimento de características próprias desse tipo de empreendimento (in Estabelecimento Empresarial. Fábio Tokars. São Paulo: LTr. 2006, p. 56).

Ainda, conforme bem ensina o ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho Almir Pazzianotto Pinto:

Distingue-se o shopping do supermercado porque, enquanto naquele os negócios são autônomos, unidos como colcha de retalhos de cores, tamanhos, e tecidos distintos, o supermercado é uma única empresa e, como tal, responsável pela contratação, direção e remuneração dos empregados. Visto à distância o conjunto arquitetônico impressiona e talvez transmita a imagem de majestoso prédio comercial. Examinado por dentro verificar-se-á que no interior convivem centenas de comerciantes, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, sem que haja, entre elas, elementos caracterizadores de grupo econômico definido no art. 2°, § 2°, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). (Almir Pazzianotto Pinnto. Parecer Jurídico. Consulente: Abrasce. 2017).

         O conceito de estabelecimento compreende o conjunto de bens que, organizados pelo empresário, passam a integrar a atividade econômica organizada. Estabelecimento, portanto, não é o prédio, ou o espaço físico de um shopping center, mas sim a organização desses mesmos bens, que derivam, portanto, de seu controle.

         O doutrinador Fábio Ulhoa Coelho, ensina que:

O estabelecimento empresarial é a reunião dos bens necessários ao desenvolvimento da atividade econômica. Quando o empresário reúne bens de variada natureza, como as mercadorias, máquinas, instalações, tecnologia, prédio etc., em função do exercício de uma atividade, ele agrega a esse conjunto de bens uma organização racional que importará em aumento do seu valor enquanto continuarem reunidos. Alguns autores usam a expressão “aviamento” para se referir a esse valor acrescido. (Manual de Direito Comercial, 26ª ed. Saraiva: 2014)

         O doutrinador Arnaldo Sussekind, relata o seguinte:

Estabelecimento é o local onde a empresa realiza, materialmente, a consecução dessa finalidade; sob o prisma do direito do trabalho, é o local onde os empregados da empresa executam suas atividades ou a que estão vinculados os que realizam serviços extemos ou no próprio domicílio. (Arnaldo Sussekind, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho e à Legislação Complementar, Livraria Freitas Bastos, RJ, 2′ ed., 1964, pág. 71.)

           No conceito legal de estabelecimento, faz-se referência direta à sua submissão ao empresário ou sociedade empresária:

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

           Assim, não é possível dissociar, do conceito de estabelecimento, sua organização por um só empreendedor. Impossível, portanto, afirmar que um mesmo estabelecimento, no conceito jurídico do termo, pode servir a uma infinidade de diferentes pessoas jurídicas que são formal e materialmente independentes entre si, como se passa incontroversamente no âmbito de um Shopping Center.

         Em assim sendo, o conceito de estabelecimento a que refere o §1º, do artigo 389 da CLT, somente pode ser àquele relativo a uma só empresa, a empresa de seu empregador, responsável direto e único pelas obrigações trabalhistas.

         Dessa forma, cada lojista possui seu próprio estabelecimento, o qual organiza e dirige para fim de exercer “atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (CC, art. 966), razão pela qual o Ministério Público do Trabalho deveria dirigir seus esforços para verificar se nesses estabelecimentos é exigível o cumprimento da norma do art. 389, §1º, da CLT, e em caso positivo, se a mesma está sendo cumprida pelo empregador.

         A clara interpretação do texto legal, que não pode ser extensiva quando sequer existe lacuna a ser sanada ou interpretação a ser dada ante a objetividade e literalidade do texto previsto no dispositivo normativo, não deixa dúvida que improcede a ação que tem como objetivo impor uma obrigação do empregador para terceiros estranhos a essa relação.

        De certo é que, não há como transferir aos Shoppings Centers as obrigações decorrentes da relação laboral mantida entre os lojistas e seus empregados, pois (i) o empreendimento do tipo Shopping Center não se qualifica como um estabelecimento único para fins de configuração de solidariedade em obrigações trabalhista, (ii) o Shopping Center não administra e/ou interfere nas relações de emprego dos lojistas, (iii) não se beneficia do trabalho dos empregados dos lojistas e, (iv) a relação comercial mantida entre Shopping e lojista é meramente locatícia, de cunho cível.

         Portanto, não há fundamento legal que justifique a atribuição da obrigação contida no §1º do art. 389, da CLT, aos Shopping Centers, especificamente no que tange as empregadas lactantes dos lojistas que nele se estabelecem, sob pena de afronta direta ao princípio da legalidade expresso no art. 5º, inciso II, da CF/88, que assevera “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

 

  1. CONCLUSÃO

        As Ações Civis Públicas intentadas pelo Ministério Público do Trabalho promovem enorme insegurança jurídica ao tentar impor para terceiros, no caso os Shoppings Centers, obrigações de terceiros (lojistas) cuja relação mantida entre as partes é meramente locatícia, de cunho civilista, não havendo qualquer ingerência dos Shoppings na administração dos seus lojistas e, em especial, inexiste o conceito de “estabelecimento” único.

       A atribuição da obrigação contida no §1º do art. 389, da CLT, aos Shopping Centers, especificamente no que tange as empregadas lactantes dos lojistas que nele se estabelecem, afronta direta ao princípio da legalidade expresso no art. 5º, inciso II, da CF/88, conforme recente decisão do Ministro Breno Medeiros, do Tribunal Superior do Trabalho (0010804-41.2016.5.03.0007).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988.

BRASIL. ‘Consolidação das Leis do Trabalho’ – em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm – 12/03/2018.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho, Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1966.

SUSSEKIND, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho e à Legislação Complementar, Livraria Freitas Bastos, RJ, 2′ ed., 1964.

 

TOKARS, Fábio. Estabelecimento Empresarial. São Paulo: LTr. 2006.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.26

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 177

PINTO. Almir Pazzianotto. Parecer Jurídico. Consulente: Abrasce. 2017.

ULHOA. Fábio. Manual de Direito Comercial, 26ª ed. Saraiva: 2014

Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº. 0010804-41.2016.5.03.0007. Relator Ministro Breno Medeiros. Publicado em 22.05.2020

[1] Graduado em Direito Pela PUC Minas, Pós-Graduado em Direito do Trabalho pelo IEC PUC Minas, Destaque Acadêmico PUC/MG, ranqueado pela Revista Análise 500 de 2019 como sendo um dos advogados trabalhistas mais admirados do Brasil e Superintendente Trabalhista do PLC Advogados.

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